InícioOpiniãoOh Chile, longa pétala

Oh Chile, longa pétala

O Chile é aquela longa língua bela entre dois monumentos naturais. O Pacífico – onde o sol se recolhe – de norte a sul até Port Williams. A oriente os Andes a fronteira com a Argentina. Louvável ainda hoje esta solução de Perito Moreno por ambos os povos. Gentes afáveis.

Acalento admiração e carinho pelo seu poeta maior desde jovem quando mergulhei no seu Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (1924). Em muitos anos foi o meu único contacto com este país. Assim é a poética palavra.

Este ano visitei a casa de Pablo Neruda em Santiago (La Chascona) e em Valparaíso (La Sebastiana).  Ambas com vistas para instigadoras paisagens. La Chascona no sopé do Cerro San Cristóbal no dinâmico Bairro Bellavista de arte colorido e de odores culinários descansa o olhar no cerro, na cidade e na belíssima Cordilheira dos Andes. La Sebastiana no Cerro Florida espraia-o na panorâmica da cidade, no porto e no oceano Pacífico.

Há uma intimidade escondida quando alguém que nós convidamos pisa o nosso chão. Ao invés uma ultrajante seta directa ao nosso coração quando alguém o faz à revelia ou forçando. Entrei nas suas casas com ousadias de familiaridade. Confiante do sorriso com que me receberia. E via-me a refeiçoar como um dos seus em ambas salas salpicadas de histórias com amigos queridos. Nas telas fotos artesanato objectos pessoais de pontos vários do globo. A percorrer os seus muitos mapas. À pinha de histórias. O mundo foi o seu limite. E a cavaquear sem tempo no piso seguinte entre tilintares de copos. A escutar desfiadas inquietações sobre o seu país e o mundo. E tecidas soluções para as encurtar (diplomata em vários países e conselheiro de Salvador Allende).

No piso acima via-o consigo com livros à retaguarda a libertar-se nos versos. Com a nudez das vidraças e a nitidez das vistas das salas. Como desabafava não era possível fechar a porta da rua nos meus poemas. E escreveu Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.[1]

Era nestas casas que Neruda encontrava a tranquilidade das terras das chuvas e bosques de Parral, sua cidade natal.  E cantava

Paz para os crepúsculos que chegam,

paz para a ponte, paz para o vinho,

paz para as letras que me procuram

e que em meu sangue sobem enredando

o velho canto com terra e amores. [2]

[1] Pablo Neruda, Confieso que he vivido, 1974, publicado postumamente. Em Portugal, Confesso que vivi, Abril de 1975, Publicações Europa-América.

[2] Pablo Neruda, Canto General, publicado oficialmente no México e clandestinamente no Chile em 1950.

Ouça aqui a crónica de Ana Freitas na sua própria voz: 

1 comentário

  1. Muito bom, Ana T. Freitas!
    De repente senti-me envolvida, quase parte do elenco, do espaço e do tempo de o

    Carteiro de Pablo de Neruda.

  2. Sempre me senti fascinada por essa parte do mundo: o Chile, a Argentina, e outros países da América Latina.

    Bom registo, belas imagens, Ana T. Freitas.
    Sempre de parabéns!

Deixe o seu comentário

por favor, escreva o seu comentário
Por favor, escreva aqui o seu nome

Também pode ler

Artigos recentes

pub
banner-contas-prontas
pub
banner-aguas-ribatejo
pub
banner-união-freguesias-cidade-santarem