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“No distrito de Santarém não há espaços convencionados para ecografias obstétricas. As grávidas ficam sem acompanhamento adequado.”

Entrevista a Lígia Nestal, coordenadora da Ajuda de Mãe de Santarém

A Ajuda de Mãe, instituição que há 18 anos apoia mulheres grávidas e famílias em situação de vulnerabilidade, inaugurou recentemente um novo espaço em Santarém, com o apoio do município. À conversa com o Mais Ribatejo, Lígia Nestal, coordenadora da delegação local, destaca o percurso da instituição e denuncia uma situação que considera “grave e prolongada”: a inexistência de espaços convencionados para ecografias obstétricas no distrito de Santarém.

Equipa da Ajuda de Mãe: Adriana Carvalho, Carla Pais, Ligia Nestal

“As grávidas não conseguem fazer sequer as três ecografias essenciais”

“Há dez anos que nos deparamos com esta ausência de espaços convencionados. As grávidas têm direito, por lei, a um acompanhamento gratuito e completo durante a gestação, mas no nosso distrito não conseguem fazer sequer as três ecografias essenciais recomendadas pelo Serviço Nacional de Saúde.”

Segundo a coordenadora, o único local que realiza ecografias pelo SNS é o Hospital Distrital de Santarém, e apenas para grávidas de risco.

Ligia Nestal, coordenadora da Ajuda de Mãe em Santarém

“As restantes mulheres são obrigadas a deslocar-se a Lisboa, Leiria ou Coimbra para conseguir uma ecografia. Outras recorrem ao privado, mas os custos ultrapassam os 80 euros por exame, e muitas não conseguem fazê-los em tempo útil”, explica.

A responsável alerta que esta falta de acesso a cuidados básicos de pré-natal tem impacto direto na saúde materna e infantil:

“Estamos a falar de um problema de saúde pública. Sem estas ecografias, podem perder-se diagnósticos importantes de malformações ou complicações fetais. As mulheres mais vulneráveis são as mais prejudicadas.”

Entre as causas do problema, aponta os baixos valores de reembolso das convenções, a burocracia e a falta de planeamento regional.

“As convenções com o SNS têm reembolsos muito baixos, que nem cobrem os custos reais dos exames, e isso desincentiva as clínicas a aderirem. Falta também uma estratégia regional para distribuir melhor as respostas.”

Lígia Nestal defende uma intervenção urgente das comunidades intermunicipais da Lezíria e do Médio Tejo, propondo a criação de, pelo menos, dois espaços convencionados no distrito, “um em Santarém e outro na zona norte”.

“As autarquias e as CIM podiam ajudar a contratar médicos e equipar clínicas para garantir estas ecografias essenciais. Estamos a falar de um direito básico à saúde materna.”


18 anos de apoio às mães e famílias

O novo espaço da Ajuda de Mãe de Santarém, inaugurado esta semana com o apoio da Câmara Municipal, representa “um passo decisivo” na consolidação da resposta local.

“É um espaço mais acolhedor e acessível, que nos permite reunir toda a equipa e criar novas respostas. Estamos agora em condições de nos candidatarmos a um acordo de cooperação com o Centro Distrital da Segurança Social, para sermos reconhecidos como Centro de Apoio à Vida”, explica a coordenadora.

A delegação de Santarém acompanha cerca de 80 famílias em permanência e cerca de 150 por ano, abrangendo casos de todo o distrito, desde Tomar e Abrantes ao Entroncamento e Rio Maior. Cerca de 70% das mulheres acompanhadas são imigrantes, muitas delas grávidas e em situação de vulnerabilidade social.

Ajuda de Mãe em Santarém – Adriana Carvalho, Ligia Nestal, Pedro Marques, Carla Pais, Rosarinho Salavessa, Ana Galla

“Estas mulheres chegam-nos com medo, sem rede familiar, e o nosso papel é dar-lhes segurança, autonomia e esperança. Trabalhamos para que consigam ser mães e, depois, mulheres independentes, com emprego e autoestima.”


O ateliê Reuse: costura solidária e inclusão social

Um dos projetos mais emblemáticos da delegação é o “Reuse by Ajuda de Mãe”, um ateliê de costura social e ambiental que capacita mães desempregadas, combate o isolamento e reaproveita tecidos e materiais doados.

“Aqui, as mães aprendem competências profissionais, convivem, sentem-se úteis e ganham confiança. Produzem peças que depois são vendidas no nosso espaço e online. Parte das receitas é dividida com elas, como incentivo simbólico e de autonomia.”

O projeto tem ainda uma vertente de formação e integração no mercado de trabalho, com apoio na colocação das crianças em creches ou amas.

“Mesmo com dificuldades, conseguimos integrar cerca de 70% das mães acompanhadas no mercado de trabalho. O problema é que nem sempre há vagas em creche, o que continua a ser um grande obstáculo.”


Habitação e creches: “Famílias vivem em quartos sobrelotados”

A coordenadora aponta também a escassez de habitação acessível e a falta de vagas em creches como dois problemas críticos que afetam as famílias acompanhadas.

“O mercado de arrendamento está inflacionado e saturado. Temos famílias de quatro ou cinco pessoas a viver num único quarto. Muitas grávidas têm medo de perder os filhos por não terem casa adequada, e isso gera muita ansiedade.”

Sobre as creches, acrescenta:

“Apesar das medidas de gratuitidade, não há lugares suficientes. Há bebés em listas de espera longas e, por isso, muitas mães recorrem a amas informais, que acabam por ser um apoio essencial para poderem trabalhar.”


“Começámos num pequeno gabinete e hoje somos uma casa cheia de vida”

Ao longo de 18 anos, a Ajuda de Mãe de Santarém transformou-se de um pequeno gabinete de voluntárias num centro de referência para o apoio à maternidade no distrito.

“Começámos com três metros quadrados na Praça HabiJovem. Hoje temos um espaço completo, uma equipa técnica e projetos que impactam a vida de dezenas de mulheres e crianças. Queremos continuar a crescer e, a médio prazo, criar também uma residência de acolhimento para mães e bebés.”

Questionada sobre o que gostaria que as pessoas pensassem ao ouvir o nome da instituição, Lígia Nestal responde sem hesitar:

Em superação. Porque é isso que vemos todos os dias — mulheres que superam medos, carências e fragilidades para construírem uma nova vida.”


🩺 As três ecografias essenciais na gravidez

De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), todas as grávidas devem realizar três ecografias obstétricas fundamentais:

  1. Entre as 11 e 13 semanas + 6 dias – Confirma a viabilidade da gravidez e deteta precocemente anomalias.
  2. Entre as 20 e 22 semanas – Avalia a morfologia e o desenvolvimento do feto.
  3. Entre as 30 e 32 semanas – Controla o crescimento fetal, a posição do bebé e o líquido amniótico.

A ausência destas ecografias compromete a vigilância adequada da gravidez e aumenta o risco de complicações maternas e fetais.

Veja aqui a entrevista completa:

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