InícioLeiturasTristeza não paga dívidas, e, solidão, quero-te bem longe de mim

Tristeza não paga dívidas, e, solidão, quero-te bem longe de mim

Em todas as idades e contextos da vida, o suporte social, as redes sociais de apoio, do amor e da amizade, têm um papel determinante. Como observa logo na introdução a autora, a solidão e a tristeza são experiências que fazem parte obrigatoriamente do desenvolvimento humano; são sentimentos transversais a todas as fases do desenvolvimento; e quando não há estratégias adequadas para lidar com a solidão e a tristeza, estas podem tornar-se patológicas, com efeitos danosos na saúde mental e no bem-estar. Que o leitor esteja atento: tristeza é uma coisa, a solidão outra. Há na página do Serviço Nacional de Saúde uma definição de solidão onde se diz que é um sentimento subjetivo que se relaciona com a ausência de contacto, de sentimento de pertença ou com a sensação de se estar isolado e, obviamente, interfere (e de que maneira!) na qualidade de vida de todos nós. A tristeza manifesta-se como ausência de ânimo ou alegria, há um sentimento de infelicidade, um estado depressivo ou nostálgico, até mágoa.

Gina Tomé

A autora observa que a solidão é muitas vezes referida como a nova pandemia contemporânea e pode promover um aumento dos sentimentos de tristeza, criando um ciclo que pode culminar em outra problemática, a depressão, questão de fundo que dá impulso a investigações sobre o impacto da solidão e da tristeza na sociedade. Para compreender a tristeza e solidão, a autora passa em revista um conjunto de teorias que deixam claro a complexidade da experiência emocional, oferecendo modelos explicativos diferenciados sobre as emoções, tanto para as positivas como para as negativas. E também a autora analisa com detalhe o que é  tristeza e a solidão, matérias que não possuem definições consensuais, e também põe foco na epidemiologia da tristeza e solidão, apresentando resultados num estudo promovido pelo Serviço Nacional de Saúde intitulado A Solidão e o Isolamento Social (https://www.sns24.gov.pt/guia/a-solidao-e-o-isolamento-social/#existem-dados-sobre-a-solidao-em-portugal).

Perpassa neste estudo de Gina Tomé a questão central da vida com relações, lembrando o efeito nefasto da falta de relações interpessoais positivas, que podem induzir os sentimentos de tristeza e solidão, um impacto de avaliações muito difíceis, até porque estes sentimentos podem manifestar-se em qualquer período da vida. Por exemplo, falando de um estudo com uma amostra de jovens com idades entre os 17 e os 24 anos, os autores verificaram a existência de uma relação entre a tristeza e a solidão. “Os jovens que referiam sentir maior pressão social para evitar emoções negativas como a tristeza, relatavam níveis mais elevados de solidão, o que pode levar à conclusão de que a pressão social para não se sentir triste não apenas reduz o bem-estar geral, mas também contribui para um ciclo em que a tristeza leva a mais solidão, ciclo que pode levar a um aumento da intensidade das emoções relativas”. No caso da solidão nos idosos, esta é predominante à falta de apoio social próximo, sem desprimor que devemos ao longo da vida procurar assegurar a saúde psicológica mantendo contactos férteis com gente por quem nutrimos ternura. “Ao longo do nosso percurso, passamos por situações positivas ou negativas que nos desafiam. Nesse sentido, a tristeza e a solidão não devem ser vistas apenas como dificuldades, mas como ocasiões para refletir e desenvolver competências socio emocionais relevantes. Cada um tem opção de lidar com as emoções, positivas ou negativas, com uma atitude aberta e sem julgamentos.”

Capítulo fundamental da obra de Gina Tomé tem a ver com soluções e estratégias para aprendermos a lidar e a aceitar a solidão, para reforçar as relações interpessoais na adolescência e na vida adulta. Elenca essas terapias cognitivas e comportamentais e enumera um conjunto de estratégias que nos ajudam a aprimorar competências socio emocionais. Por exemplo num desses modelos avultam: a autogestão, capacidade de regular com eficácia as emoções, pensamentos e comportamentos; autoconsciência, capacidade de identificar as emoções e pensamentos e compreender o modo como estas emoções e estes pensamentos influenciam os nossos próprios comportamentos; consciência social, capacidade de se colocar no lugar dos outros;  relações interpessoais, capacidade de estabelecer redes afetivas e de relação positiva com pessoas de diferentes origens e diferentes meios; tomada de decisão responsável, capacidade para realizar escolhas, respeitem os interesses, os valores e as carências individuais e coletivas.

A autora releva a importância das relações interpessoais positivas e significativas, lembrando possíveis estratégias como a participação em atividades comunitárias, a promoção de escuta ativa, ser proativo na promoção das relações sociais e empático. E sublinha igualmente a importância do autocuidado (conjunto de ações que cada um pratica para cuidar de si próprio), neste autocuidado têm preponderância: a prática de exercício físico; uma alimentação nutritiva e saborosa; bons hábitos de higiene; utilização de terapêuticas ajustadas, lembrando-se que os medicamentos sem prescrição médica tomados arbitrariamente com os de prescrição médica podem afetar negativamente a saúde mental e física; ter uma higiene do sono; praticar uma gestão do tempo de ecrã e redes sociais, tal como de consumos que podem influenciar negativamente o bem-estar e a saúde mental (tabagismo, imoderação no álcool e no consumo de cafeína); possuir autoconhecimento. E nesta conformidade adaptar estratégias práticas para a promoção do autocuidado, tais como organizar o tempo; fazer um diário da gratidão; fazer um uso disciplinado da internet, nunca perdendo os hábitos de leitura; criar uma lista de atividade que gosta de fazer e se sente bem ao praticá-las; em termos de check-up emocional, aprender a refletir sobre como se sente; criar o hábito de comunicar regularmente com alguém significativo pode ajudar a prevenir a solidão e os sentimentos de tristeza.

Em jeito de despedida, elenca recomendações para decisores e políticas públicas, no nosso tempo a prevenção comunitária de solidão e do isolamento social necessita ir além dos projetos individuais, as políticas públicas ajudam, quer a criar redes de apoio direcionadas para as pessoas mais vulneráveis, quer a construir respostas adequadas a essas necessidades, daí o papel ingente da participação comunitária; mas há também as políticas públicas amigas da saúde psicológica. A autora dá-nos uma lista de grupos comunitários e de redes de voluntários espalhados pelo país, caso do Programa Aconchego, no Porto, que promove o alojamento de estudantes do ensino superior, estudantes que se domiciliam em casas de idosos; ou o Projeto Letras Prá Vida, Oficinas de alfabetização de adultos promovidas pela escola superior de comunicação de Coimbra, ou ainda o Projeto Café Memória, local de encontro destinado a pessoas com problema de memória ou demência, aos seus familiares, amigos e cuidadores, para partilha de experiências e suporte mútuo.

Enfim, um ensaio de extrema utilidade que oferece estratégias práticas para transformar a tristeza e a solidão em experiências de crescimento.

Mário Beja Santos

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