Versão revista do artigo publicado em 19 de junho de 2016 no jornal «O Militante Socialista» do qual era à data redactor independente.
«Quarenta anos depois da aprovação da Constituição da República, a reflexão sobre o seu impacto e a sua evolução mostra-nos que o Direito não é apenas um conjunto de normas rígidas: é também algo que se escreve diariamente, em letras de fogo, sobre a realidade concreta do país.
Gomes Canotilho, constitucionalista, identificou três estágios de modernidade ao longo do percurso da democracia portuguesa (entrevista ao Público, 25/04/2016). Nos dois primeiros, podemos destacar:
- Primeira modernidade: marcada por uma narrativa de emancipação, em que o socialismo foi integrado na Constituição no contexto do processo revolucionário da época.
- Segunda modernidade: centrada no reforço do Estado Social, através da positivação de direitos económicos, sociais e culturais, conferindo ao Estado o dever de promover políticas públicas de saúde, educação e segurança social.
No contexto actual, a direita neoliberal tem procurado explorar dificuldades alegadas na sustentabilidade do Estado Social para propor revisões da Constituição. As propostas de Passos Coelho (2010), que caducaram com a dissolução do Parlamento (Decreto 44-A/2011), pretendiam alargar ao sector privado áreas que eram tradicionalmente públicas, como a educação.
Vivemos hoje uma fase de “democracia somativa” (1), em que movimentos antes reticentes em participar no governo da res publica agora o fazem com algum pragmatismo. Seria este pragmatismo – ou positivismo – encarnado pelas forças da chamada «geringonça» uma forma de revisionismo doutrinal? São questões pertinentes e actuais.
A entrada de Portugal na moeda única trouxe forte pressão competitiva externa, eliminando o chamado guarda-chuva cambial. João Ferreira do Amaral, professor de Economia, alertava já em 1994 (Público, 21/02/94) para os desafios macroeconómicos que viriam com a União Económica e Monetária (UEM). A revisão constitucional de 1992 deu cobertura jurídica ao Tratado de Maastricht.
Ao longo destas quatro décadas, verificam-se alterações significativas na Constituição:
- Afastamento da legitimidade revolucionária (revisão de 1982);
- Reversibilidade da chamada Constituição económica: eliminação da irreversibilidade das nacionalizações e da referência à reforma agrária, substituição da alínea sobre apropriação colectiva dos meios de produção por uma formulação que admite a coexistência dos setores público, privado, cooperativo e social (revisão de 1989);
- Preparação para uma futura Constituição europeia, com a integração da cláusula de Maastricht (revisão de 1992).
Com estas mudanças, a socialização dos meios de produção deixou de ser uma tarefa central do Estado. O papel do Estado passou a não incluir mais a eliminação de monopólios privados, a realização da reforma agrária ou o impulso ao desenvolvimento das relações de produção socialistas. A menção ao socialismo permanece apenas no preâmbulo, muitas vezes desvalorizado por alguns constitucionalistas.
É inegável que os conceitos de socialismo e de capitalismo moldaram profundamente as alterações da Constituição de Abril, reflectindo a transição de uma visão revolucionária para uma realidade mais pragmática e europeia.
Nota
(1) Na entrevista ao Público (25/04/2016), Gomes Canotilho define “democracia somativa” como aquela em que movimentos que anteriormente recusavam formar ou apoiar governos passam a participar ativamente na governação.»
José Luz
(Constância)
PS – Não adopto o AOLP.
Eis o que um partido populista “bem intencionado” , o Chega, nos garante sobre o seu amor a Portugal , cinquenta anos sobre a Constituinte:
«Nós amamos Portugal, amamos os Portugueses, e é por isso que nos entregamos ao desígnio de endireitar este país! Vamos a eleições e vamos ganhá-las, porque somos a única alternativa na defesa das famílias, dos nossos valores, da nossa economia, no restabelecimento da justiça e da decência no clima prólogo nacional!»
Palavras que soam patrióticas e nobres, mas que contrastam profundamente com as suas propostas. Se fossem avante, a Constituição seria drasticamente alterada: o Estado Social seria enfraquecido, os direitos económicos e sociais reduzidos, a intervenção estatal na economia limitada e o poder concentrado, sobretudo em matérias de segurança e imigração. Tudo aquilo que proclamam — o amor a Portugal, a defesa das famílias e dos valores — entraria em choque com os direitos humanos, as liberdades e garantias consagradas na Constituição. O verdadeiro perigo não está no discurso, mas no efeito real dessas propostas: uma Constituição menos social, mais autoritária e liberal, afastando Portugal da essência da Constituição de Abril.











Não deixa de ser interessantemente anedótico que actualmente ainda existam cérebros que defendem uma Constituição Comunista e um Direito Penal “humanista” defensor principal do criminoso em desfavor da vítima cujo principal objectivo é obstacular a uma construção económica e financeira que projecte este país para um nível Europeu. Parece que todos estes cérebros vivem filosoficamente na terra do nunca … caminhando com imensa felicidade rumo ao precipício !