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Luís Melo: O segredo da lentrisca – o azeite que nasce primeiro na Europa

No coração das Serras de Aire e Candeeiros, um projeto está a mudar a forma como olhamos para o olival tradicional português. Luís Melo, coordenador do Projeto Ouro Líquido e presidente da direção da APOAC – Associação de Promoção do Olival e Azeite da Aire e Candeeiros, defende que é tempo de reconhecer o azeite como património económico, cultural e identitário.

A entrevista decorreu dias depois da realização do Festival Azeites de Primeira Colheita 2025, que reuniu cerca de 120 pessoas numa celebração dos primeiros azeites da nova campanha. O evento, realizado no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, integrou provas, harmonizações gastronómicas e debates com especialistas.

Veja aqui a entrevista completa:

“Queremos ser a primeira zona de produção de azeite na Europa”, afirma Luís Melo, com convicção. “A nossa azeitona amadurece mais cedo do que no Alentejo, do que em Espanha, do que em Itália. Este é um trunfo que temos de saber valorizar.”

Lentrisca: uma variedade esquecida, um potencial por descobrir

Entre os argumentos que sustentam esta ambição está a variedade autóctone lentrisca, cultivada nos olivais tradicionais da região. Abandonada durante décadas por ter um rendimento baixo, esta azeitona mostra hoje um potencial surpreendente.

“É cientificamente comprovado que a lentrisca tem dos mais elevados teores de polifenóis entre as variedades portuguesas. Isso confere-lhe não só propriedades organoléticas únicas, mas também benefícios importantes para a saúde”, sublinha Luís Melo.

Os polifenóis, antioxidantes naturais presentes no azeite virgem extra, são cada vez mais valorizados no setor alimentar e nutricional. A colheita precoce – feita ainda antes da maturação plena da azeitona – contribui para potenciar esses compostos.

“A escolha por colher mais cedo pode significar menor rendimento em quantidade, mas representa maior qualidade e mais valor”, explica.

Um olival de resistência

O território abrangido pelo Projeto Ouro Líquido envolve sete municípios, entre os quais Santarém, Ourém, Torres Novas, Rio Maior, Alcobaça e Porto de Mós, num total de cerca de 13 mil hectares de olival explorado. Nos últimos 30 anos, a área de olival caiu para metade. “Isto é reflexo do abandono agrícola e da ausência de políticas adaptadas ao nosso tipo de território: sem água, com solos difíceis e pequenas explorações em sequeiro”, aponta.

Com mais de 7.200 famílias ligadas à olivicultura, o olival tradicional não vive de grandes explorações intensivas, mas de pequenos produtores que mantêm viva a paisagem agrícola com esforço e resiliência.

“A maior parte dos nossos associados são pequenos produtores com 2 a 3 hectares. São guardiões de uma herança agrícola que queremos valorizar.”

Do autoconsumo à garrafa com marca

A APOAC, atualmente com cerca de 70 associados, tem como missão ajudar esta comunidade a dar o salto do autoconsumo para a comercialização com valor acrescentado. O objetivo passa pela valorização dos azeites virgem extra embalados com marca própria, deixando para trás o modelo de venda a granel que transfere a mais-valia para fora do território.

“Queremos que os azeites do nosso território sejam reconhecidos pela sua singularidade, como acontece com o vinho ou com o mel. Cada azeite tem o seu perfil, o seu terroir, a sua história”, afirma Luís Melo.

O festival deste ano teve também esse propósito pedagógico: mostrar que um azeite servido numa salada não é o mesmo que se usa para cozinhar pratos de tacho, como as iscas de cabrito harmonizadas com azeite de lentrisca.

Mais do que produto: identidade

Luís Melo sublinha que o projeto é também uma iniciativa de regeneração rural e identidade territorial. “Quando um olival é abandonado, perde-se biodiversidade, aumenta o risco de incêndio e desaparece uma economia local. O Ouro Líquido é uma resposta concreta para travar esse processo.”

O trabalho da APOAC e dos produtores envolvidos quer afirmar-se como exemplo de sustentabilidade, inovação e orgulho rural.

“O azeite é o irmão mais velho do vinho. É ponderado, estável, silencioso. Mas merece ser ouvido. E é isso que estamos a fazer.”


🎧 A entrevista completa pode ser ouvida em:

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