InícioOpiniãoVlad, o vampiro

Vlad, o vampiro

Vocês que nunca sentiram antes na vossa humanidade os crimes deste animalicida. Vocês a quem as Recordações da Casa dos Mortos nunca incomodou. Vocês que depois da Perestroika e Glasnost ficaram marasmados de felicidade suicida. Vocês de esquerda que são, ou foram antes desta crise, contra a União Europeia e acham que todo o mal vive e prospera entre a Califórnia e o Dniestre e que daí para diante é tudo um Don Tranquilo. Vocês do liberalismo do laissez faire laissez passer hipócrita e calculista.

Vocês de direita que nunca leram Marx, a Dialéctica da Natureza, e julgam que o materialismo histórico é um sucedâneo da bolsa de valores capitalista em roleta russa. Vocês do socialismo oportunista e venal. Vocês do centro dito neutro, manhoso, que encheis a boca com democracia e Estado de Direito que vos iliba, e aos vossos, de corruptos no labirinto kafkiano duma justiça vesga.

Vocês fascistas a quem ele paga os almoços confiante que derrubareis a Europa por dentro. Vocês crentes num deus absoluto que vivos vos defenda e perdoe as aldrabices, e mortos vos carregue ainda para um qualquer paraíso fiscal. Vocês que rezais de máscara, sem fé na omnipotência divina, em igrejas, sinagogas, mesquitas, a deuses impotentes ante um simples vírus ínfimo, e lhe pedis agora que acabe com a grande mortandade da guerra. Vocês uns maganões.

Que fazeis o mal e a caramunha e outra vez a caramunha e o mal, a quem a consciência nunca acusa que a não tendes, ou se tendes é de mil faces como da varejeira mosca os ocelos. Vocês, os especialistas televisivos. Dos vírus inopinados. Do futebol a toda a hora, omnisciente, alienado, e fatal. Das eleições políticas, no dia seguinte às asneiras que dissestes na véspera. Da guerra onde nunca fostes, ou se fostes foi de longe, para o telejornal das nove, prontos a fugir antes da chegada do inimigo, ensopando as notícias no sangue dos moribundos, ou dos colegas, nada calculistas que morreram na frente, e não foram lá apenas para escreverem, como ireis fazer depois, livros repletos de factos sangrentos, lugares-comuns, metáforas gastas, e nenhuma gramática, vendidos com elogio alugado e publicidade gratuita nas pantalhas onde dominais há décadas. Vocês uns espertalhões.

Vocês que chorais sobre o sangue derramado, mas aumentais, mais que o necessário, os preços do petróleo, gás, pão e tudo o resto. Vocês, deputados, políticos de todas as bandas, ministros, banqueiros, que só agora reparastes na dependência da Europa da milenar e massacrada Casa da Rússia, cheia hoje quase toda daquele animalicida e da sua corte de crápulas privilegiados. Que afirmais, ante milhões de pobres agora mais pobres ainda por culpa da vossa manha ou parvoíce, que os bancos centrais estão com graves problemas e que todos, ricos e pobres, vão sofrer por igual. Que observais, plenos de gozo íntimo, inconfessado, aqueles Comboios Rigorosamente Vigiados, cheios de refugiados, material humano a baixo custo para os vossos planos mais secretos. Vocês, uns figurões.

Vocês que trazeis da análise confortável dos gabinetes suaves as palavras que tudo explicam, mesmo o inexplicável fracasso impune de tudo isto. Que na Guerra e Paz sempre vos safais mudando o bico à retórica. Que durante a paz não quereis saber da guerra e na guerra sois os primeiros a clamar indignados pela paz. Mesmo a dos cemitérios que é a única que conseguireis obter. Como agora a proposta a este animalicida, ele próprio, e isto não sabeis, e é o mais gozado de tudo, Vlad, o senhor, e Mir, a paz. Vladimir: o senhor da paz. Que dizeis desta paz? Vocês uns sabichões.

Vocês que julgavam que este era o melhor dos mundos possíveis e agora de repente tendes medo que a guerra nuclear acabe com ele, e o pior de tudo, com vocês, que continuais fiados em anjos da guarda de qualquer tipo, indiferentes para o efeito de estufa, e todos os sintomas de emergência climática actuais, cujos tendes por hipótese menos provável que o ataque deste psicopata ou o meteorito que acabou com os dinossauros, vossos primos remotos mais do que qualquer Génesis da treta nunca soube que existiram.

Vocês cujos átomos surgiram duma grande explosão que transformou a energia em matéria e cujo fim pode estar próximo com milhares doutras semelhantes explosões. Vocês que julgais que um qualquer criador incriado, a não ser por vós, não pode permitir a destruição total das suas criaturas por um doido. Vocês que acreditais num pai natal de todas as centenas de milhares de milhões de galáxias deste universo, onde nada se sabe da vossa frágil espécie e da dos vossos deuses ou ditadores.

Vocês que só agora descobristes que a existência da raça humana depende dum maluco a quem, e é a única hipótese que tendes a prazo de continuar vivos, e não seria inédito, alguém talvez mande, por Crime e Castigo de tanta morte inocente, para as frígidas estepes do Além imponderáveis assombrar o espectro dos ursos de antanho. Vocês que nunca foram mortos.

Mário Rui Silvestre

1 comentário

  1. Meu caro Mário Rui,

    Talvez, quase certo, não te lembres de mim.

    Sou o Oliveira, ex-funcionário e ex-militante do PCP em Santarém, que te conheceu em Pernes, nos idos anos 70/80.

    Lembro-me que as tuas análises tinham sempre algo “fora da caixa”
    Li, atentamente, o que escreveste neste artigo.

    É brilhante no que se refere à caracterização de oportunismos e hipocrisias,

    Apenas peca, em minha opinião, quando centra um dos lados da guerra em Putin pessoa.

    A tua análise, do meu ponto de vista marxista/dialético, ignora dois aspectos fundamentais :

    a) Quem é o inimigo principal ?
    b) A guerra é causa ou consequência ?

    É apenas a minha opinião. Vale o que vale.
    Mas é sincera e frontal, como a tua.

    Um abraço.
    Fernando Oliveira

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