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As passadeiras de Santarém

Em Portugal há este costume de fazer obras públicas em anos de eleições. É assim uma espécie de tradição, assumida e inquestionável, que se torna mais visível sobretudo quando estamos a falar de eleições autárquicas e de presidentes (de Câmara e de Junta) que procuram a sua reeleição.

Santarém, na vanguarda de tudo e de todos, não é exceção.

Nas ruas da cidade já cheira a eleições!

Ele é alcatroamentos, pinturas de pavimento, requalificações urbanas, tudo a que temos direito.

Uns dirão que exagero, que as obras já estavam programadas há muito tempo, mas que só agora se puderam realizar, sendo mera coincidência a aproximação do período de campanha eleitoral.

Outros argumentarão que não há cá coincidências, é o mais puro populismo em tempo de eleições.

No entanto, a mim não me interessam esses juízos de valor, mas sim observar um fenómeno muito interessante, do ponto de vista da arte urbana, que é a recente pintura das passadeiras de Santarém.

Santarém mostra que “está na vanguarda do ponto de vista cultural”, citando a recente entrevista do Senhor Presidente da Câmara, “nós somos uma cidade que tem e sempre teve muita cultura (…) e que tem de ter uma afirmação muito própria e dar-lhe uma dimensão nacional. Acho que, naquilo que é a parte cultural, a ação tem de ser mais marcante, e não ter medo de se abrir ao resto do país (…) temos de ser mais disruptivos”.

Depois da instalação de vários murais de arte urbana pela cidade ao longo dos últimos tempos, eis que temos na cidade a mais moderna intervenção artística no espaço público, com todo o nível de disrupção invocado pelo Senhor Presidente: as passadeiras semi-pintadas.

Não sabem o que é? Eu também não sabia, e realmente não encontrei qualquer referência a este tipo de instalação, aguardo com expectativa que se confirme tratar de algum artista que prefere manter o anonimato ao intervir no espaço público, como Banksy(*).

Será que é isso?… só pode! Santarém, sendo uma “cidade de vanguarda do ponto de vista cultural”, conseguiu, no mais total segredo, atrair o artista urbano mais famoso e valioso do mundo.

Aqui estão alguns exemplos da obra, ainda não reivindicada:

À porta da Escola Secundária Sá da Bandeira, local frequentado diariamente por centenas de alunos, encontramos um bom exemplo destas obras de arte recentemente instaladas:

Duas passadeiras pintadas de fresco, mas apenas com uma das linhas intervencionada. 

O sentido de inovação é espantoso, a forma como sobressaem as texturas do pavimento, como o pedestre se sente confuso, como a travessia se torna mais rica e interessante.

Alguns exemplos de pormenor:

Repare-se na forma como aquela linha branca chama a atenção para a paisagem envolvente. É como se fosse um sublinhado que capta o olhar do transeunte e o faz deter-se na contemplação.

Aqui, visto de outra perspectiva, podemos observar a composição no seu todo, perceber como tem ritmo, como marca o compasso: 1 linha branca, 4 linhas esbatidas, passeio, 3 linhas esbatidas e mais 1 linha branca. Uma verdadeira sinfonia.

Alguns metros mais à frente na passadeira que atravessa a Rua de São Bento e liga as duas metades da Praça/Jardim Duarte Pacheco, temos outro exemplo grandioso:

Das 11 linhas que compõem a passadeira, apenas 4 estão impecavelmente pintadas, oferecendo ritmo à paisagem envolvente. Será certamente uma analogia à nossa cidade, esmorecida e apagada, que precisa de mais 4 anos de gestão de Ricardo Gonçalves para ganhar luz e vivacidade.

Um pouco mais à frente, na Avenida Gago Coutinho e Sacadura Cabral, mais concretamente junto à entrada para o Convento de Santa Clara, há mais um exemplo deste tipo de intervenção urbana:

Repare-se como o traço contínuo da faixa de rodagem é descontinuado por pouco mais de um metro, para depois surgir pintado de fresco e ser novamente interrompido, mantendo o sentido rítmico subjacente a toda a obra.

Alguns metros depois, continuando o caminho da direção do Convento de São Francisco, vemos um singelo, mas não menos importante exemplo, da genialidade do artista:

3 pequenos traços embelezam a passadeira de peões e bicicletas no final da Rua António Bastos, entrando na Avenida Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

É impressionante a subtileza do artista, a forma como aqueles 3 pontos nos fazem imediatamente pensar em reticências, numa clara alusão à continuidade da obra.
O artista, de forma clara, diz-nos que isto é só o princípio e que mais intervenções se seguirão.

Mal posso esperar pelo que aí vem.
Até às eleições, ainda sem data marcada mas certamente a terem lugar no último trimestre do ano, haverá seguramente mais obras a surgir.
Entretanto, aguardo com expectativa que a obra surja no site de Banksy, sendo finalmente reivindicada a sua autoria, atraindo magotes de turistas à nossa cidade.

Rita Correia
(Santarém)

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