InícioHistória da Literatura de Antecipação, por Carlos MacedoAntecipação e progresso, odisseia na Terra, a grande marcha da literatura dita...

Antecipação e progresso, odisseia na Terra, a grande marcha da literatura dita FC (9): Pode agir-se sobre o Tempo, acelerando-o ou imobilizando-o? Há muitas respostas possíveis

VIAGENS NO TEMPO

Se pensarmos bem, todos somos viajantes temporais, no decurso de uma vida que, ainda que não demasiado feliz, parece sempre escandalosamente breve.

Uma viagem no tempo pode iniciar-se de forma pueril, com a magia de um sono de vinte anos de um habitante dos Catskills, um tal Rip Van Winkle, criação de Washington Irving, no ano de 1818, ou a viagem (esta ao passado) de um “Connecticut Yankee at the Court of King Arthur” de Mark Twain, em 1889 e, no mesmo ano, “When the Sleeper Awakes”, de Herbert George Wells.

Se preferirmos, em alternativa, uma viagem no futuro, com ajuda de máquinas ou tecnologias mais ou menos consistentes, como no eterno clássico de 1895, do mesmo Wells, “The Time Machine” ou atravessando um conveniente portal temporal (tipo “Stargate”) inauguramos um universo interminável de romances, contos e novelas.

Que fazem andar para trás e para diante o tempo, em todas as alternativas que a imaginação humana possa conceber. Por exemplo, Wells, em “The Time Machine”, faz-nos avançar mais de 802.000 anos no futuro da espécie.

Como se pode imaginar, há duas espécies de viagens no tempo: a que aponta para o futuro, simples pela cândida razão que consiste em que quem viaja para o futuro (sem esperança de retorno) não pode afetar o presente.

A segunda, infinitamente mais complexa, que é a viagem em direção ao passado, ou ainda aquela em que o viajante se desloca, compulsivamente entre passado, presente e futuro.

Imagem do filme O Estranho Caso de Benjamim Button, realização de David Fincher, 2008

Na primeira, o objetivo inicialmente pensado pelo autor é que o viajante aponte e descreva utopias e distopias que corporizam as ideias filosóficas, científicas, sociológicas que quem escreve tem do mundo.

Na segunda, a intriga presta-se a armadilhas e incongruências constantes, fins imprevisíveis, paradoxos horrendos ou hilariantes. Que o diga Mark Twain (“A Connecticut Yankee in King Arthur’s Court”, onde o nosso herói lamenta nunca mais voltar a ver os seus amigos, pois só nascerão mil e trezentos anos depois) ou, num registo trágico, de extraordinário fôlego literário e fortes implicações filosóficas e metafísicas (Michael Moorcock, “Behold the Man”, 1966), o herói, Karl Glogauer, tenta tomar (e acaba por assumir) o lugar do Messias. Glogauer, com objetivos de pesquisa histórica, consegue concretizar uma viagem temporal ao passado e encontra o verdadeiro Cristo, um deficiente mental que se baba constantemente, corcunda e estrábico, que acabará por substituir. Recriando aquilo que o ser humano sempre acreditou ser a verdade.

As implicações da viagem ao passado são, como Deus, infinitas e as peripécias da narrativa parecem-nos quase sempre absurdas, ridículas, perigosas, infantilmente subversivas e, ocasionalmente, insuperáveis de imbecilidade (para assegurar um mínimo de coerência à história).

Quadro de Salvador Dalí, A Persistência da Memória, 1931

 

 

Como é o caso de “Voyageur Imprudent”, de René Barjavel.

As exceções que, apesar do meu evidente pessimismo, ainda se podem considerar numerosas, não justificam grande apego a este tema.

No auge dos Magazines, em plena época áurea da antecipação, eram centenas as historietas que agarravam este ponto de partida (jovens heróis que viajavam ao passado para matar o avô, ou casar-se com a trisavó, assassinar Napoleão ou assistir à paixão de Cristo na primeira fila).

Mas se virmos bem, estas novelas eram apenas uma variação complicada (não superior, antes pelo contrário) das narrativas de “mundos paralelos ou alternativos”, onde a imaginação não tinha de contorcer-se para assegurar alguma coerência ao presente e às trapalhadas históricas que os nossos heróis tinham engendrado, fosse há dez mil, cem ou apenas dez anos.

Mas até, por fim, se criou a imbecilidade de “polícias temporais”, que constantemente se deslocavam no tempo, para remendar os disparates de alguns jovens, de costela aventureira ou mercenária.

Existe ainda uma terceira variante, celebrizada sobretudo na Golden Era, que é a chegada (ao presente) de um viajante ou viajantes do futuro[1]. Algumas vezes, o viajante chega apenas por um mero acidente (“The Clockwork Men”, 1923, de E. V. Odle), ou para se propor investigar, com otimismo académico e policial encarniçamento, enigmas históricos ou as causas da morte dos dinossáurios (e, por vezes até, alterar a realidade por fins morais, religiosos ou ideológicos).

Em “The Seeds of Time”, 1956, livro que contem dez novelas do britânico John Wyndham, temos uma excelente amostra do que se pode fazer com deslocação no tempo.

“The Chronoclasm” por John Wyndham, em Star Science Fiction Stories, 1953

Por exemplo, em “Chronoclasm”, Sir Gerald Lattery vê-se perante o dilema de consequências incríveis, de se casar com a sua tetraneta de fins do século XXII. Ainda que, em “Time for Leisure”, o drama seja mais sério e de perspetivas nada aliciantes para o ser humano (povvero surhuomo, diria Eco).

Fritz Leiber, por seu lado, em “The Big Time”, 1958, congemina uma guerra modificadora (do real), galáctica e temporal (entre Serpentes e Aranhas) em que os soldados são humanos, capturados em todas as épocas da Humanidade e onde os contendores modificam, a seu bel-prazer, a História do homem.

Como igualmente acontece em “Time Killer” de 1959, da autoria de Robert Sheckley, que começa por nos contar a vida banal de um desenhador que, após um acidente, desperta num mundo cento e cinquenta e dois anos mais velho.

O apogeu, em sobriedade e verosimilhança, aparece pela pena de Clifford D. Simak (1904-88) o poeta de romances das minúsculas cidades e aldeias americanas, de camponeses hospitaleiros, modestos professores primários, caixeiros-viajantes, hillbillies, caçadores de esquilos e racoons, cercados de cães pulguentos, bebedores austeros e pensativos fumadores de cachimbo, que ainda liam Thoreau.

Chamaram-lhe pastoral writer, apesar de ter produzido duas obras-primas de ficção (“City”, 1952, “Way Station”, 1963) protagonizadas por robots, cães falantes e viajantes do tempo, com uma profundidade e encanto que poucos conseguiram.

Com ou sem ucronias, não me resta dúvida que conhecer o futuro e o passado (por antecipação dominar a história, se possível estando lá) torna o fator viagem temporal o mais importante. O tema, no entanto, está longe de ser popular, é complexo e só surge muito tarde nos magazines.

Em qualquer das suas três vertentes:

  1. VIAGENS NO TEMPO – em que se anda ao longo do tempo[2].
  2. DIMENSÃO TEMPO – Digressões por universos onde existem seres de zero, duas, quatro ou mais dimensões[3].
  3. UNIVERSOS PARALELOS OU ARBORESCENTES – onde, em pequenas circunstâncias ou cataclísmicos acontecimentos, alguém se apercebe da existência de inúmeros universos paralelos onde factos, históricos ou não, geraram diferentes futuros que se acentuam cada vez mais, com o decurso do tempo, por mudanças mínimas terminando em alterações totais do comportamento do Universo[4].

Um tipo de histórias, muito popular (“second life imposit”) este, o dos mundos paralelos, onde a dada altura, a história evoluiu de outra forma (a Invencível Armada conquistou a Inglaterra; as tecnologias usadas baseiam-se nas “Leis da Magia” e não nas da ciência exata; Hitler ganhou a II Guerra Mundial)[5]. Aí destaco como excelente Randall Garrett.

Como me parece merecer realce o “Ptah Hotep” de Charles Duits (1972), sendo aqui os egípcios os ganhadores.

Para terminar esta amostra, refiro, de novo, a gigantesca epopeia de G.-J. Arnaud, “La Compagnie des Glaces”, lúgubre mundo subterrâneo de pesadelo, dominado pelo gelo, as oligarquias mais cruéis e o transporte exclusivo de bens e pessoas, por intermédio de gigantescas linhas de caminho de ferro, dentro dos quais habita (principalmente) o que resta da humanidade.

Sem ser espírita e sem o concurso de eventuais catástrofes galácticas, recheadas de buracos negros, a tecnologia pode descobrir emissores inter-temporais (“Le Siège de Syracuse”, 1962, de Alexandre Arnoux), com registos fiéis do que se passou ao longo de toda a História da Humanidade, captados, sei lá, pelo recetor “Worp”, 1954, de Leon Miller.

Foi com Sébastien Mercier (“L’An 2440”, 1771) que tudo começou. Continuado por Restif De La Bretonne (1796), por Wells (1888-95), e até Robida (“Les Posthumes”, 1890), embora este último tenha apenas brincado com a ideia.

Wells (“The Time Machine“) começou por definir claramente a conceção de que o trânsito do tempo não era inalterável, embora baseando a sua máquina em artifícios sobremaneira ingénuos (nos dias de hoje) e pitorescos (“Não há nenhuma diferença entre o Tempo e qualquer das outras três dimensões do Espaço, senão a de que o nosso conhecimento/consciência se desloca ao longo daquele”) e mesmo descrevendo-a[6].

Mas a complexidade fascinante (e na origem de inúmeros fins inesperados) destes temas reside nos paradoxos de um viajante no tempo se poder encontrar consigo próprio, no futuro ou no passado, matar-“se”, a partir da sua forma atual, ou aos seus antepassados, como ilustra com evidente sarcasmo René Barjavel, no seu “Le Voyageur Imprudent[7].

Outros paradoxos mais embrulhados gera-os Van Vogt, com um conto integrado em “The Weapon Shops of Isher”, 1949, a que chama “The Seesaw”, duma cosmogonia megalómana ou seja: nas viagens no tempo, seremos sempre a causa do que vier a alterar-se!

O que, um ano decorrido, Clifford D. Simak confirmará, em “Time and Again”.

Até John Dickson Carr, nalguns dos seus portentosos policiais de “crime impossível”, usa as viagens no tempo (“Devil in Velvet”, 1951, “Fear is the Same”, 1956, “Fire, Burn!”, 1957, ”The Witch of the Low-Tide” 1961)!

O tipo de histórias que nesta obra pretendo caracterizar não se compreende sem a dimensão temporal.

Por alguma razão é designada por “Antecipação”.

As situações ficcionais engendradas parecem fictícias, apenas porque ainda se não concretizaram. Mesmo as utopias assumem a possibilidade ulterior desse tipo de sociedade perfeita. E dependa o tema central do conhecimento ou ação sobre o futuro ou o passado, do tempo como fonte de paradoxos ou da possibilidade da humanidade nele se locomover, como numa autoestrada, a antecipação da dimensão “Tempo” é um leitmotiv que nunca se estanca e está sempre a produzir novas obras primas.

A décalage para o futuro, à maneira que se quer científica e exata, de Jules Verne aos discípulos da Scientifiction de Hugo Gernsback, dos soviéticos “ortodoxos” aos escritores da moderna “hard sciencefiction”, implica, está bem de ver, uma deslocação temporal implícita. Mas, frequentemente, nem a menciona.

De Poe a Gustave Le Rouge, de Kazantzev a Dickson Carr, o percurso no tempo é apenas um pretexto, em geral pueril (às vezes, “acontece”, pura e simplesmente) para deslocar pessoas ao futuro ou ao passado.

Recurso literário para romper com cenários já muito batidos de aventuras tradicionais, fazer reconstituições históricas (Carr, no fascinante ciclo Scotland Yard), profecias disto e daquilo, umas utópicas, outras apenas de humor-crítica social fáceis (até Alphonse Allais, André Brun e Cami o fizeram).

Hoje, os space-opera temporais e as epic fantasies, deixando total liberdade à imaginação, têm todo o interesse em apagar ao máximo as coordenadas temporais.

Apenas o que acontece é que quanto mais a narrativa se distancia da realidade atual de quem a concebeu, mais as relações entre o universo ficcional e o de hoje se tornam ténues.

A menos que[8], os Gosseyn e Slans de Van Vogt, numa palavra, os seus heróis, possuam capacidades que os seus contemporâneos (ainda) não têm.

Mas não é sobre esta nobre façanha que cabe agora falar.

Pode agir-se sobre o Tempo, acelerando-o ou imobilizando-o?

Parar o tempo parece o mais fácil.

A hibernação está na moda. Como em “Jurassic Park”, de Michael Crichton. Há muito que esse tema é usado. Veja-se o último Webster, de “City” de C. D. Simak (em não morte perpétua), Graham, em “When the Sleeper Awakes”, de Wells e até, com mais parcimónia, o conto do precursor Washington Irving, de 1813, “Rip Van Winkle”.

Esta forma de “imortalidade” ressurgirá constantemente em inúmeros livros, filmes, de “Alien” a “2001”, BD, jogos de computador. Com diversos processos[9].

Mas o decisivo, aqui, não é o facto da imortalidade do indivíduo ou até de toda a espécie humana (“Last and First Men”, de Olaf Stapledon).

O que verdadeiramente conta é a possibilidade de o homem agir sobre o Tempo, modificando-o. O domínio do presente, pelo domínio sobre o que ocorreu no passado (“Time Patrol”, de Poul Anderson, onde os Danneeliens, vivendo num mundo a um milhão de anos para lá do nosso, para se defenderem dos “corsários do Tempo”, criam uma polícia temporal, encarregue de trazer Law and Order às rotas do tempo), o mundo curioso e imaginativo de Pierre Barbet em “Vers un Avenir Perdu”, com os “astrotemps patrouilleurs” do ano 65.402 ou as viagens de “grognons” napoleónicos ou de templários ao futuro.

No cinema, de entre vários que merecem ser vistos, o filme policial, primário, “Demolition Man”, 1993, de Marco Brambilla, protagonizado por Sylvester Stallone, Sandra Bullock e Wesley Snipes ou “Minority Report”, 2003, de Steven Spielberg, com Max von Sydow, Ed Harris e Tom Cruise.

Cartaz do filme Regresso ao Futuro II

Ou, também, sobre o que poderá ocorrer no futuro (os três “Terminator”, com Arnold Schwarznegger ou outros três filmes, versão juvenil: “Back to The Future”, de Robert Zemeckis).

Ler “End of Eternity”, de Asimov ou “The Golden Apples of the Sun”, de Bradbury, contribuirá para conservarmos algumas réstias de esperança.

Aliás, estas situações são (sempre) geradoras de paradoxos temporais, onde a História se torna algo de ameboide e plástico: o tempo que se pretendia vencer é substituído por uma gigantesca mecânica, onde o homem pensando-se Demiurgo, acaba esmagado, como a borboleta de Bradbury.

O paradoxo dos tempos paralelos prolonga-se (ou explica-se), portanto, no universo interminável dos mundos paralelos.

Fred Brown ameniza, explicando-nos, com o seu pulpWhat a Mad Universe”, que há um número infinito de universos coexistentes, todos igualmente reais e todos verdadeiros. Isto quer dizer, acrescenta, que todos os universos concebíveis existem. É a existência do continuum espaço-tempo, que justifica (diz ele alegremente) esta coexistência de universos inumeráveis.

O essencial são as consequências práticas que daí tiram os diversos autores. É que estas civilizações contraditórias e, no entanto, de alguma forma, coexistentes, permitem um enriquecimento prodigioso da temática conjetural nesta forma de ficção.

  1. J. Farmer, no fascinante mundo paralelo de psicóticos de “The Gates of Time”, (onde a sua criação gargantuesca de um mundo surrealista revela ainda toda a extensão da megalomania que o individualiza) e no “Ciclo de Jadawin” (onde relata a confusa coexistência de universos por andares, colisão de deuses cruéis e semideuses cúpidos), concebe universos intemporais, gelados no tempo e criados, isto é, saídos da cabeça de demiurgos dementes, já senis, amorais como hienas.

Farmer atinge aqui um clímax dificilmente ultrapassável, de delírio e inverosimilhança, mas talvez ultrapassado pelo inimitável Philip K. Dick em “Eye in the Sky”, de 1952, que nos faz viver num universo Ptolomaico, com um pequeno sol girando à volta da Terra, centro do Universo.

Ou “Counterclock World”, 1967, a odisseia zombie do mundo do pobre polícia Joseph Tinbane ou ainda “Now Wait for the Last Year”, 1967, com centro no pobre Eric Sweetscent, infeliz pivot-carrossel de universos, histórias e tempos paralelos[10].

Será que no fundo (russos, espanhóis, italianos já escreveram, igualmente, boa ficção conjetural sobre estes temas) estas aventuras temporais, estes infinitos mundos paralelos são um (piedoso, mas improvável) desejo coletivo de unificação da Humanidade, em que a fusão de presente, passado e futuro, salienta o que tem de efémero tudo em que baseamos o nosso projeto de vida?

Os costumes, verdades eternas, dogmas, evidências científicas irrefutáveis, pecados, nacionalismos, visões do mundo, crenças, rituais de uma “tradição” que alguns querem eterna, neste nosso pobre planeta valem muito pouco, afinal.

Se assim é, não me espanto.

O criador (literário, cinematográfico, BD) constrói a sua própria imagem-sonho do futuro, a partir do que conhece do passado e da sua realidade presente. As histórias de viagens no Tempo mostram-nos onde estivemos e para onde pensamos (querer ou poder) rumar. Já disse Shakespeare que o tempo é o monarca dos Homens, é o seu Pai e o seu Túmulo.

FÉRIAS

Três grandes famílias de histórias a agrupar nesta temática: as de monstros de cartão ou de jogo de computador, que em locais parodiando Miami, Dubai ou Las Vegas, estragam as férias de “uma nobre família” (obras essas a evitar como a peste), as  que  tentam transformar a obra numa versão atual (para quem as escreve) do clássico “Robinson Crusoé” ou, ainda, as que tornam a ficção científica um meio útil de nos ajudar a perceber que certos estereótipos são errados, que o trabalho de uns são as férias de outros ou, simplesmente, as que procuram recriar a juvenil capacidade de escrever jovem (e para jovens) de Jules Verne.

Férias são (“Grande Dicionário da Língua Portuguesa”, de José Pedro Machado – 1989) “… dias de descanso, repouso, feriado”, mas também o       “salário dos operários”. Indo mais longe, poderia dizer que o repouso de um   será o esforço de outro (que terá de o pagar)[11].

E assim o tema dilui-se muito, porque não se assumiu ainda, como natural, um direito que Otto von Bismarck (o terrível autocrata prussiano) já tinha outorgado aos trabalhadores do império germânico, no terceiro quartel do século XIX.

O que conduz a que a maioria esmagadora das obras dedicadas a este tema, se limite a paródias, mais ou menos aceitáveis, da primeira hipótese que levantei. Ou não sejam os anglo-saxónicos tributários da visão que os Standard & Poor’s e Harrod’s ainda têm, nos dias de hoje: a de Scrooge.

E que os autores anglo-saxónicos desta área, quase todos seguem.

Claro que o conceito de “férias” varia, consoante a personalidade de cada um de nós.

Um sportsman de Deneb, de topo de gama, entediado e rico, pode achar serem excelentes férias, organizar um safari para ir caçar brontossauros para uma Terra de centenas de milhões de anos atrás (embora as viagens no tempo custem os olhos da cara). Como em “Poor Little Warrior!”, 1959, de Brian Aldiss.

Dinossaurs! onde vem o conto “Poor Little Warrior!” por Brian Aldiss

Mas os êxtases do folheto “Grand Simplicities of the Jurassic” não são totalmente esclarecedores e se não se concebe sequer, de forma consistente, como são fisicamente os alienígenas (na enorme maioria do que se escreveu) como imaginar o que, para eles, serão férias, turismo ou desporto.

Há muito que pensar sobre este tema.

Carlos Macedo

 

Notas:

[1] Nem que seja para fins turísticos, como em “Pawley’s Peepholes”, 1951 ou para fazer um doutoramento, como em “Chronoclasm-Seeds of Time”, 1956, ambos de John Whyndham; ou para apreciar um fim do mundo, como em “La Saison du Grand Cru”, de Henry Kuttner e C. L. Moore; ou ainda para fugir a horrores ou hecatombes inimagináveis, provar um vinho de colheita especial ou oferecer artefactos que tornarão o futuro melhor.

[2] Do presente para o futuro: “The Time Machine, an Invention” de Wells, “Tomorrow Sometimes Comes”, de F. G. Rayer, “Pebble in the Sky”, de Isaac Asimov, “La Planète des Singes”, de Pierre Boulle. Ou do presente para o passado: “Three go Back”, de J. Leslie Mitchell, “The Sands of Time”, 1937, de P. Schuyler Miller, “Vers un Avenir Perdu” (1962), “Les Vikings de l’Espace” (1969), “Les Grognards d’Éridan” (1970), “L’Empire de Baphomet” (1972), todos do prolífico Pierre Barbet, “Brooklyn Project”, de William Tenn, 1957. Do presente, saltando entre passado e futuro: “Quest for the Future”, de Van Vogt, “The Wrong End of Time”, de John Brunner, “Judas Danced”, 1958, de Brian Aldiss, “Meeting with Myself”, de Lester Del Rey.

[3] Tema tão caro a Wells, em “The Plattner Story” e a Jean Ray, como por exemplo em “Les Étranges Études du Docteur Paukenschlager”, “L’Énigme Méxicaine”, “M. Wohlmut et Franz Benschneider”, “Mathématiques Supérieures”, “Le Tessaract” e ainda num número infinito de outros contos deste genial flamengo.

[4] Desde Jorge Luis Borges a Clifford D. Simak (“Out of their Minds”, “Ring Around the Sun”, “Time and Again”, Highway of Eternity”), Charles Eric Maine (“The Random Factor”), Howard Philips Lovecraft, que delineara, entre 1930 e 1936, em “The Shadow out of Time”, “The Shadow over Innsmouth”, “The Colour out of Space”, The Call of Chutulhu”, variações portentosas deste tema, inscrevendo nos seus contos, como ideia motora, histórias de ressurreições, no nosso mundo e no nosso tempo, de forças maléficas primevas ou de um longínquo futuro ou passado temporais, graças a propriedades mágicas e aberrantes do tempo.

[5] Por exemplo, Randall Garrett, cria um Império Anglo-normando, regido pela magia, onde um detective-espião, Lord Ashley, agente especial do Corpo de informação de sua majestade Imperial, secundado pelo seu Watson, o Mestre Feiticeiro Sean O’Lochlainn, resolve mistérios policiais e nos apresenta vislumbres de um fascinante mundo paralelo (“Too Many Magicians”, de 1966, “The Eyes Have It”, 1962), vitoriano e ardiloso. O britânico Brian Stableford, por sua vez, como bom defensor da escola da revista “Interzone”, além de elaborar (com David Langford) uma “Third Millenium: A History of The World, 2000-3000”, escreve duas obras, passadas num mundo paralelo (“The Empire of Fear” e “Werewolfs of London” de 1988 e 1991, respectivamente), onde, num mundo barroco, a humanidade luta contra outra comunidade, essa imortal: a dos Vampiros. Keith Roberts, o impulsionador de “New Worlds”, cria com “Pavane”, de 1968, uma das mais belas obras sobre mundos paralelos, onde domina (apenas) o transporte ferroviário e o Papa reside em Londres, pois a Invencível Armada papista venceu, Isabel I foi assassinada. Tudo isto se sabe através de seis histórias independentes, de belo recorte impressionista, que no final (juntando o puzzle) nos mostram a verdadeira face deste mundo. Até Robert Heinlein, entre outros livros, com “Waldo & Cº”, se deixou tentar pelo tema. Como Fredric Brown, o Pulp Master, que em 1948, publica a mais espantosa sátira aos romances sobre (infinitos) mundos paralelos, “What a Mad Universe!”, relatando as aventuras de Keith Winton, à maneira de Tristam Shandy. Philip José Farmer, outro louco genial deste género literário, chega a criar, demiurgicamente, um outro mundo, delirante, em patamares, onde coexistem deuses dementes (como no “Malpertuis”, de Jean Ray), mutantes monstruosos e até humanos, que dá origem à enorme Saga do “World of Kikaha”.

[6] “O Objecto que o Explorador do Tempo tinha na mão era um artefacto mecânico, de metal brilhante, pouco maior do que um relógio de colete, desenhado com grande elegância. Compreendia diversas componentes em marfim e outras dum material cristalino e transparente … o modelo final tinha, ainda, … partes em níquel e marfim, outras em cristal de rocha, além  de barras de cristal que parecia ser de quartzo…”.

[7] Onde o “seu” herói,  Saint-Menoux, no seu escafandro espacial, ao tentar matar Napoleão, vê um antepassado seu interpor-se entre o futuro imperador e a bala, e desaparece, pois que, como nos elucida,em nova edição, de 1958:

Il a tué son ancêtre?

Donc il n’existe pas.

Donc il n’a pas tué son ancêtre.

Donc il existe.

Donc il a tué son ancêtre.

E Barjavel a concluir, com uma lógica implacável, que Saint-Menoux existe e não existe, simultaneamente!

[8] Como também fizeram Catherine Moore, Burroughs, A. Merritt, ou Edmond Hamilton.

[9] De mudança de corpos a congelamento-crionização, de ciberpróteses a ações de faquir tecnocrata (cortesia de Gustave Le Rouge).

[10] Não vou esquecer, apesar de tudo, John Brunner (“Times Without Number”, 1969), que nos apresenta Dom Miguel Navarro, um dos evanescentes modificadores da História, Robert Silverberg (“Starman’s Quest”, 1969, com a sua Sociocultural Dynamics), Mack Reynolds (“Looking Backwards from the Year 2.000”, 1973, com a sua Interlíngua).

[11] Por exemplo, o que seriam as férias dos Aurigiens, na óptica dos “terrestres”, tal como os descreve o britânico Brian Wilson Aldiss, em “Saliva Tree” (1º Prémio Nebula, 1965)?

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