InícioOpiniãoJustificacionismo - A peste pró-Putin

Justificacionismo – A peste pró-Putin

Se a pandemia de Covid-19 nos trouxe a praga dos negacionistas, a catastrófica invasão da Ucrânia pela Rússia fez emergir uma peste de natureza bastante similar: os “justificacionistas!” E, ao contrário do que estes nos querem impingir, os “justificacionistas” não são aqueles que mantêm um espírito livre e crítico, não engolindo a primeira narrativa que lhes apresentam sobre a realidade complexa que conduziu à ordem moscovita de conquistar o país de Zelenskiy; são, sim, os que, por motivos variados, de forma mais descarada ou dissimulada, apoiam militantemente Vladimir Putin e a sua máquina de guerra.

Da análise que venho operando a uma miríade de estímulos e condutas, encontro quatro grandes razões que instam ao “justificacionismo”: o ódio aos EUA e ao seu imperialismo, a pueril paixão por figuras autoritárias, interesses pessoais e, finalmente, o prazer de se ser do contra. Não sendo obrigatório, as anteditas causas podem misturar-se, integral ou parcialmente, nos diversos indivíduos que professam e exercitam o “justificacionismo”; contudo, há sempre uma que domina em relação às outras.

Quanto aos comportamentos que permitem qualificar alguém de “justificanionista”, destaco os subsequentes:
1. A convicção de que os que não partilham da sua perspectiva “justificacionista” são burros e ignorantes, genuínos carneiros seguidistas, sem nunca abrir a mente à possibilidade de os discordantes terem escrutinado os dados e as informações disponíveis, chegando a conclusões diferentes;
2. A necessidade obsessiva e virulenta de tentar demonstrar que as malfeitorias perpetradas pelos militares da Federação Russa são falsas ou não estão a ser correctamente explicadas, duvidando de tudo o que provenha de fontes ucranianas ou ocidentais (incluindo a comunicação social);
3. Em oposição, a necessidade obsessiva e virulenta de tentar demonstrar que os militares ucranianos, inequivocamente nazis, estão a cometer atrocidades e a utilizar civis como escudos humanos, manifestando uma confiança de albarda em fontes pró-russas e no Kremlin;
4. A tendência para ignorar – mesmo que de proveniência pró-russa – o que não é consonante com o seu “justificacionismo;”
5. O recurso a vídeos e fotografias descontextualizadas, bem como a outros tipos de supostas provas “cabais e indisputáveis”, que evidenciam que estão do lado certo da História, revelando uma extrema intolerância para com as acções de ucranianos – militares ou civis – que, de acordo com os seus padrões, não correspondem ao que se deveria esperar de vítimas de uma invasão e/ou de massacres;
6. Por seu turno, o patentear de uma compreensão quase anedótica pelas atitudes e procedimentos dos agressores liderados por Vladimir Putin;
7. A desvalorização de Volodymyr Zelenskiy por, antes de enveredar pela carreira política, haver sido um comediante de sucesso, atribuindo-lhe a imagem de palhaço incompetente;
8. A tentativa absurda, mas constante, de equiparar moralmente invadido e invasor;
9. A contínua preocupação com crimes de guerra imputáveis às forças armadas ucranianas, fingindo que não sabem que a invasão russa violou o direito internacional e que há indícios esmagadores de crimes de guerra cometidos pelas hostes atacantes;
10. A busca incessante por ucranianos que exprimam opiniões próximas ou concordantes, com o propósito de atestar que estamos perante uma cabala global anti-russa comandada pelos EUA e/ou pela NATO, sem esquecer a conivência cobarde da União Europeia;
11. A demanda interminável por argumentos e putativas evidências de que os EUA, nas pérfidas e subversivas sombras, manipularam os diversos intervenientes para que a guerra se iniciasse, beneficiando das suas consequências desumanas;
12. A condenação, mais ou menos suave, de Zelenskiy e do Estado ucraniano por resistirem à invasão ilegal do seu território, ao invés de “humanitariamente” capitularem, assim evitando o incremento de mortes de inocentes e a destruição de cidades e populações, como se, além do direito à legítima defesa, houvesse algum fundamento para acreditar que a desistência não seria sinónimo de inenarráveis sevícias ou até de extermínio;
13. A cínica reprovação da entrega de armas e de dinheiro ao Estado ucraniano, porque permite a perpetuação do conflito, quando se deveria estar a trabalhar para uma solução pacífica;
14. A exaltação da postura do PCP;
15. A negação, justificação benigna e/ou desprezo pelas derrotas das forças armadas russas em território ucraniano e a predisposição para sobrevalorizar os respectivos triunfos, conferindo-lhes matizes de genialidade estratégico-táctica;
16. A exagerada urgência em discutir as intricadas circunstâncias que, segundo os “justificacionistas”, espoletaram a marcha dos carros de combate russos em direcção à Ucrânia, sem a mesma urgência no que tange a censurar a Federação Russa por invadir um país soberano;
17. A comparação exculpatória desta invasão com outras do passado (enfatizando os papéis de Israel e dos EUA);
18. A recusa em se declararem pró-Putin, apesar das suas posições o denunciarem.
Ora, ao lerem estas dezoito práticas características dos “justificacionistas”, decerto, os caros leitores ter-se-ão lembrado de outras tantas. Saliento, no entanto, que se trata de práticas com níveis intensos de reiteração e empenho que nos levam a imaginar o ruborescer até explodir da cabeça do putinista, Eclesiastes de trazer por casa, que se entrega às prédicas evangelizadoras do “justificacionismo;” e, para nossa desdita, há quem os escute ou se deixe sugestionar por esse desagradável cacarejar!

Felizmente, e a despeito do vergonhoso fanatismo que os “justificacionistas” exibem, vivemos em democracia e respeitamos a liberdade de expressão – algo que não existe nas terras subjugadas ao poder da Fortaleza Vermelha –, o que lhes autoriza, sem cárcere, o deleite com a inerente esterilidade moral. Por via disto, estes seres abjectos permanecerão em pose de idiota emplumado, asseverando-se prematuros conhecedores da verdade – imunes às seduções ingénuas – e profetas de vozes esclarecidas no meio do balir dos escravos do pensamento único.

E nós cá estaremos para os aturar…

João Salvador Fernandes

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