InícioHistória da Literatura de Antecipação, por Carlos MacedoAntecipação e progresso, odisseia na Terra, a grande marcha da literatura dita...

Antecipação e progresso, odisseia na Terra, a grande marcha da literatura dita FC (5): Os temas do Armagedão e das múltiplas hipóteses futuríveis à mistura com o fim dos tempos

FINS DOS TEMPOS

Falar de mortalidade é falar também daquilo que (coletivamente) espera os seres humanos como espécie dita inteligente.

O nosso inefável narcisismo não nos pode fazer crer que a espécie humana sobreviverá (pelo menos como se nos apresenta hoje) por toda a eternidade.

Banda desenhada de Jacques Martin, uma antecipação em poder ver o passado e conhecer as ameaças que pendem sobre o futuro, 1987

Num futuro muito longínquo, extinto há eons o Sol deste sistema em que habitamos, haverá talvez lugar a filosofias ou especulações metafísicas, mas as morais, de matriz religiosa ou ideológica (nos padrões atuais) parecerão pueris ou mesmo absurdas, com a proximidade da extinção da espécie.

Imagem do filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, realização de Stanley Kubrick, 1968

E surgem-nos, graças ao génio de Mary Shelley ou William Hope Hodgson (1908), em “The House of the Borderland”, visões aterradoras e desoladas, mas discerníveis do caos final; na obra de Stapledon, “Last and First Men”, de 1930, evocam-se, com uma grandeza apocalíptica, as dezoito raças humanas que se sucederão, nos próximos dois mil milhões de anos.

A distanciação impõe grandeza. O inevitável colapso e desaparição do Homo Sapiens, resignado ao que não pode evitar, a final meditação sobre o nosso papel na história das civilizações pode ser inspiradora de obras-primas. O que até agora não aconteceu.

A mediocridade parece ser a coloração (com um ou outro conto pleno de humor perverso ou subtil) das histórias deste subtema. Que não são poucas.

À medida que a humanidade mergulha mais profundamente nos vastos oceanos do espaço e do tempo, mais se torna atual o tema do fim do Universo. Ou, pelo menos, neste, o do big bang que nos deu origem.

Acabarão os seres humanos no planeta Terra[1]?

Naturalmente que acabarão. Só uma visão de um narcisismo psicótico pensaria o contrário. Mas espera-se que num futuro muito, muito distante e não diretamente causado pela loucura e cupidez dos homens.

HISTÓRIAS DO FUTURO

Todas as narrativas que pretendem descrever a delirante caminhada da Humanidade em direção aos séculos ou milénios que se avizinham, se sobrevivermos (o que me parece cada vez menos seguro), se constituírem um todo ficcional coerente, ciclo interligado, saga ou mesmo conjunto de toda a obra de um autor são, ao fim e ao cabo, as chamadas Histórias do Futuro.

É verdade que poucas dessas obras escapam à classificação de lixo, com curtíssimo prazo de validade; pouquíssimas foram carimbadas com o mérito da obra-prima; raras são as que, anos decorridos, conservam traços de alguma verosimilhança. Menos ainda são as que se mantêm em coerência com os dados que a tecnologia e ciência da época permitem prever e nada dizem, por obsolescentes ou absurdas, a quem já vive em duas ou três gerações adiante.

Ao longo dos tempos houve diversas tentativas, quase sempre meras utopias políticas, com a densidade humana do papelão; outras, poucas, de genial criatividade, apontando o que pensam ser momentos-diamante da caminhada da Humanidade.

Segundo os olhares acacianos, mercenários, românticos ou lúcidos, dos seus autores.

Quase todas chegam ao ponto de desenhar Atlas Históricos, que definem datas-chave, que variam de 3000 AD (Robert Heinlein, esse, inicia a sua em 1941) até 10.000.000 AD (o inglês Stephen Baxter, em 1991).

A estas histórias, que aparentemente se elevam ao nível de manuais escolares para fãs inabaláveis, acrescem outras experiências, a meu ver mais consistentes.

São o que podemos designar como Histórias lacunares ou de começo tardio, como as da “Saga and Empire Foundation”, de Isaac Asimov, ou a “Dune”, de F. Herbert, iniciando-se, à partida, num futuro longínquo, onde a recordação do planeta-Mãe praticamente se perdeu.

E, igualmente, a originalidade de Histórias reconstituídas de uma humanidade extinta, elaborada por alienígenas ou neoprimitivos, como a de John Atkins (“Tomorrow Revealed”, publicada em 1958), que vai de 1960 a 3750 A.D.

Esta, de estilo banal, mas de uma originalidade sem mácula, é escrita por um neosselvagem erudito, um “star gazer”, que lê exemplares meio desfeitos de obras de Gibbon e Toynbee e, sobretudo, baseia (praticamente) as suas fontes históricas em escritores de ficção científica!

Um monumento de humor.

Esta abordagem, de humor perverso, entre A. Allais e Jonathan Swift, virá a ter muitos seguidores.

Outros, constroem o seu futuro (que se passará com a comunidade humana?) de forma que pretendem séria, por vezes quase usando de um tom profético e lúgubre que, contra o que pretenderiam, lhes diminui a valia literária e apouca o estilo.

Uma exceção, pela positiva, numa tentativa centrada na reabilitação, plena de honestidade filosófica de uma Humanidade que se degrada imparavelmente, afastando-se da natureza e recorrendo a um hedonismo egoísta, para povoar os seus imensos lazeres de elitistas blasés.

Uma obra literária que se manterá como obra-prima por muito tempo.

A visão trágica do ser humano, no inesquecível clássico “City”, feito em 1952, por Clifford Donald Simak.

Os seus redatores serão cães e robots, tornados inteligentes e infinitamente mais bondosos que o primata-Homem, tornado memória-mausoléu.

Humanos enfastiados ainda os há, muito Oscar Wilde, transformados em semideuses, já mitológicos e reinventados, apagando-se suavemente, em redomas de hibernação de luxo, diluindo-se, em fase terminal, num suicídio depressivo e decadente.

Recordando talvez o que o Homem fora (e poderia, se tivesse tomado outro caminho, continuar a ser).

Uma história elegíaca e bela, muito ao estilo Simak, que muito deve e se inspira, no enquadramento de paisagens, nas situações do quotidiano, nas relações cães-robots-homens, num bucolismo entristecedor.

Homens demiurgos enfastiados, que podem conceber e criar uma nova sociedade de formigas inteligentes. E, pouco depois, futilmente, cansarem-se do seu papel de Deus e abandonarem-nas.

Mas voltemos ao tema deste capítulo: as histórias do futuro.

Tomei a liberdade de escolher seis, que considero as mais representativas (e ambiciosas) do género.

 

Larry Niven, começa em 1964 (“The Coldest Place”) a sua Opus Magna “Tales of the Known Space”.

A história tem início em 1975 e estende-se até ao ano 2900 AD, onde a humanidade, graças aos prudentes conselhos de alienígenas (Puppeters), conquista uma tal paz e prosperidade que, como Fukayama, já não tem história(s) para contar.

Teve que passar, no entanto, por duas guerras, com os Phssthpok e os Kzin, familiarizar-se com o Ringworld e vencer complicados problemas sociais, relacionados com o tráfico de órgãos humanos.

A de Poul Anderson não vai mais longe que 2200 AD, mais ou menos, mas está repleta de acontecimentos sensacionais.

As Nações Unidas tornam-se um efetivo governo mundial (parece estarmos a ler um relatório dos tortuosos encontros de Bilderberg), funda-se a universidade de Luna (2100) e Vénus abandona as Nações Unidas, num repente de nacionalismo serôdio.

Ganimedes é colonizado, acaba por surgir um Humanist Manifesto e uma religião pancósmica. As Nações Unidas vencem (com brio e salero) uma ditadura jupiteriana, resolvem os problemas decorrentes da segunda “revolução” industrial (? Segunda?) e dos pogroms de robots.

Funda-se o Corpo Espacial das Nações Unidas e o Planetary Engineering Corps, o que dá base suficiente para, em 2100, se fundar a Federação Solar.

Tudo isto consta da “Psychotehnic League”, uma sequência coerente de contos e novelas, no estilo muito sofisticado de Anderson.

Capa de 1951 de Universe, da série Future History, de Robert Heinlein

Heinlein, por seu lado, escreveu as primeiras obras da sua “Future History” no início dos anos quarenta, servido por uma mentalidade coerentemente reacionária, que nunca o abandonou ao longo da vida. Parece assisado não colocarmos demasiado alto as nossas expectativas, nem ser demasiado exigentes em coerência histórica das diferentes peças do puzzle.

Há um primeiro período, a que chama de “Imperial Explotation” (EUA, claro) que funda Luna City, explora Vénus e acaba numa tenebrosa ditadura teofascista, baseada no controlo da mente pela psicometria, psicodinâmica e media (seria uma antecipação genial dos atuais Tea Party, Christian Neo e Scientologists?) que interrompe as viagens espaciais.

Acabada esta, resolvidos os problemas decorrentes de uma invasão (e ocupação brutal) mundial, começado um novo totalitarismo (este, imperial sino/ japonês, mas sem Olrik, Mortimer e Blake), a adolescência da Humanidade chega ao fim, com o arranque da exploração interestelar.

The Man who Sold the Moon”, “Space Cadet”, “Sixth Column”,Destination Moon”, “Revolt in 2100” integram-se, com muitos outros, nesta saga.

Passo a Stephen Baxter, um ambicioso, que desenvolve o seu “Future History” numa eterna e fastidiosa luta entre humanos e Xeelee, que vai de 5 biliões de anos Antes de Cristo até 10.000.000.000 de anos depois!!!!

Entretanto, o sistema solar sofre mais invasões que um Corte Inglês em época de saldos: pelos Qax, pelos Squeem, pelas subespécies Xeelee… um sofrimento constante.

Olaf Stapledon, esse, é de outra dimensão e profundidade intelectual.

Académico brilhante, humanista sincero, com uma profundidade filosófica que mereceria um capítulo à parte, faz oscilar a sua História até muito para além de 2.000.000.000 depois de Cristo, quando o último humano lança no espaço poeira orgânica, para eventualmente povoar com vida outros planetas.

Antes deste Last Man, dezassete espécies diferentes de humanidade se sucederam, povoando Marte, Vénus, Neptuno.

 

Francis Carsac cria uma curiosa variante da ONU, em 1956, com “Ceux de Nulle Part” e, mais tarde, em “Terre en Fuite” (com minuciosa cronologia dos acontecimentos principais até 4631 AD)

Relata a história da Terra, condenada à inevitável glaciação por consequência de um acidente de origem humana, estar a afastar-se progressivamente do Sol. Como Vénus, sua companheira de jornada.

Noutra variante, também minuciosamente cronometrada, em “Les Robinsons du Cosmos” é a História de algumas pequenas fatias de seres humanos que é transplantada (não se sabe bem como, talvez uma experiência militar malsucedida) para um planeta hostil, onde é preciso (sobre)viver.

Imagem do filme Encontros Imediatos do Terceiro Grau, realização de Steven Spielberg, 1977

Como referi no início, das “histórias tardias”, ou seja, as que se iniciam a centenas de gerações depois do mundo atual, merecem destaque especial “Foundation” e “Dune”, que serão abordadas noutro capítulo, conjuntamente com as odisseias “Heechee”, “The Lensmen”, “Lucky Starr”, esta juvenil e muito didática, assim como as cavalgadas heroicas de Fred Saberhagen, Jack Williamson e Cordwainer Smith.

Mas a súmula das súmulas, a melhor de todas estas “Histórias” (ainda que o estilo seja enfadonho e a profundidade de análise medíocre) é um espantoso “Tristam Shandy” da FC, da autoria de John Atkins, chamado “Tomorrow Revealed”, de 1954/8 (que já mencionei).

Aí se narra a evolução dos povos do planeta, entre 1960-3750, através da pena de um novo Heródoto, a quem o pai aprendeu a ler e a escrever e que, fundando-se em obras de ficção científica, de Herbert G. Wells a Aldous Huxley, de Ray Bradbury a Leslie e Adamsky, de A. E. Van Vogt a George Bernard Shaw, de Fred Pohl e Kornbluth a Stuart Cloete (para citar alguns, de centenas) cria uma hilariante (mas coerente) História da Humanidade, do puzzle absurdo que constrói com todas as obras citadas. Uma pequena obra-prima.

(continua)

Carlos Macedo

[1] Emigrando ou extinguindo-se, como em “The Last Earthman”, 1956, de Lester Del Rey, senis e renegando passado e futuro, como em “Auto-Da-Fe”, 1961, de Damon Knight, Morlocks e Elói, animalizados e em degradação constante, como na visão de Wells, no fim do périplo da sua “Time Machine”?

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